Já sabemos que este ano de 2015 não vai ser fácil e estamos sendo chamados a cumprir com o nosso dever cívico e poupar energia e agua para o bem geral de nós mesmos. Algumas campanhas sugerem que devemos inclusive cobrar uma mudança de atitude daqueles que são esbanjadores.
É neste contexto que aparece a notícia de que o congresso nacional esta trabalhando pela aprovação da PEC do orçamento impositivo, que estabelece a execução obrigatória das emendas parlamentares. Além disto, anunciou-se a inclusão de R$ 10 milhões em emendas para cada um dos 240 novos deputados e senadores no Projeto de Lei Orçamentária Anual 2015. Considerando ainda a possível imposição também das emendas de bancadas e das comissões permanentes, o Planalto ficaria obrigado a executar, em 2015, R$ 17,765 bilhões em emendas parlamentares.
O novo presidente da Câmara defende que o Executivo não pode ficar manobrando a liberação de emendas parlamentares como forma de pressão política e que há de haver independência entre os poderes. No caso do remanejamento do orçamento para atender os congressistas em primeiro mandato, a justificativa é que estes estariam em desvantagem se comparados com os congressistas veteranos.
Mas se é para reforçar a independência dos poderes e buscar a isonomia entre os atuais legisladores, porque não cortar as emendas de todos os parlamentares ? Afinal, quem executa não é o Executivo ? Seria uma ajuda e tanto no equilíbrio das contas do país !
O valor previsto para emendas dos deputados e senadores reeleitos é superior a R$ 16 milhões em 2015, transformando cada congressista em uma empresa de faturamento muito superior ao de uma empresa pequena. Entendo que o congressista não vai faturar nada, e sim gastar tal montante em beneficio de sua base eleitoral. Ocorre que gastar dinheiro também dá trabalho, ajudando a explicar a quantidade de pessoas que precisam trabalhar nos respectivos gabinetes para fazer acontecer tais emendas. Mais do que isto, implica em uso do tempo e da atenção do congressista, que acaba se envolvendo em reuniões com futuros beneficiados e acompanhamento da liberação destes recursos, tempo e atenção estes que ele deixa de dedicar ao acompanhamento de outros assuntos, incluindo a execução do orçamento geral da união de forma mais ampla (sem se preocupar prioritariamente com suas próprias emendas).
O problema é que aparentemente nenhum congressista parece achar ruim poder apresentar emendas individuais. Afinal, com este poder de fogo, é muito mais fácil para qualquer um se reeleger. Nem mesmo o recém-eleito Senador Reguffe (PDT/DF), que foi mais uma vez manchete neste inicio de 2015 ao abrir mão de benesses e mordomias comuns aos políticos, parece se posicionar contra esta prática. Em seu favor, ao exercer o mandato de deputado federal, ele defendeu que seria dever de qualquer parlamentar prestar contas e colocar de forma transparente para os eleitores como foram elaboradas as suas emendas ao orçamento, tendo feito exatamente isto.
Posso até concordar que as emendas parlamentares não são uma mordomia, mas também não creio que sejam instrumentos indispensáveis para o bom funcionamento de uma democracia. Melhor do que um parlamentar mandar construir um posto de saúde com recursos de uma emenda sua é ele fiscalizar se o executivo esta fazendo isto com recursos do orçamento federal.
Mas voltando a questão de mordomias e tomando como exemplo o Senador Reguffe, ele reduziu a quantidade de assessores a que tem direito, abriu mão de 100% da verba indenizatória e da cota de atividade parlamentar, abriu mão da aposentadoria especial de parlamentar e recusou utilizar carro oficial e o plano de saúde para ele e sua família.
Sendo morador de Brasília, o Senador esta numa posição privilegiada em relação a outros colegas de regiões distantes da capital, como por exemplo, parlamentares do Acre ou do Rio Grande do Sul, que enfrentam longas jornadas de avião para poder estar no Congresso toda a semana. Para estes é mais complicado abrir mão das verbas que custeiam estas passagens e outras despesas de quem não tem residência ou veículo próprio na cidade. Isto não invalida o gesto do Senador Reguffe, que poderia e deveria ser seguido por outros tantos parlamentares.
A racionalização do número de assessores seria um bom começo, seguido da dispensa do plano de saúde. Discordo daqueles de dizem que os políticos e governantes deveriam se tratar obrigatoriamente na rede pública de saúde, mesmo sabendo que esta rede conta com algumas unidades de excelência. Por outro lado, creio que o parlamentar deveria tirar do próprio salário os recursos para contratar um plano de saúde privado caso seja esta sua vontade.
Também não considero uma mordomia o congresso concentrar suas atividades entre 3ª e 5ªfeira de cada semana, já que no plano federal há que se considerar o tempo que os políticos levam para ir e vir de seus estados, estando inclusive disponíveis em suas bases eleitorais sem exigir dela que tenha que ir a Brasília encontrá-los. Em função do tamanho de alguns estados brasileiros, o mesmo raciocínio se aplica aos deputados estaduais transitando de e para suas respectivas capitais.
Isto não é tão verdadeiro no caso do judiciário, onde juízes e servidores alocados nas comarcas da capital deveriam se dedicar integralmente aos seus afazeres durante os cinco dias da semana. Infelizmente a prática é outra, existindo inclusive a designação informal de servidores TQQ, que são aqueles que trabalham somente nas terças, quartas e quintas. Isto para não falar de outras práticas que cobram um alto preço da produtividade do nosso judiciário, que são os recessos (necessários) contabilizados de forma dissociada das longas férias de 60 dias a que tem direito os juízes.
E por falar no judiciário, o que dizer do auxílio refeição retroativo e o auxilio moradia para juízes independentemente do local do seu domicilio ? Tenho certeza, que a exemplo do que ocorre com diversos políticos, é legítimo pagar auxilio moradia para alguns juízes.
Por outro lado, quantos serão os juízes, que seguindo o exemplo do Senador Reguffe, abrirão mão deste privilégio por morarem na mesma cidade na qual estão trabalhando ? Farão o Congresso e os Tribunais um esforço para dar transparência a tais atos ? Não estou falando de dar destaque para ações que deveriam ser a rotina e não a exceção, mas sim permitir descobrir facilmente quem são os políticos e servidores do judiciário que buscam fazer uso dos recursos públicos com maior discernimento e isenção.
Se os melhores não são reconhecidos, não há como esperar que seus exemplos sejam seguidos !
Isto serve inclusive para o Executivo, onde existe uma enorme hipocrisia em torno dos tetos salariais e as inúmeras artimanhas para pagar valores superiores através de verbas, auxílios e assemelhados. Não creio que salário seja mordomia, mas nos dias de hoje, aumento automático por tempo de serviço é. Muito melhor seria implantar esquemas de reconhecimento de mérito, premiando aqueles que mais se esforçam. Também não vou comentar esquemas de cartão de crédito para a turma do primeiro escalão, até porque nem são tantos assim (comparativamente falando). Mas é certo que existe espaço para enxugar mordomias em todos os poderes da nossa república.
O maior deles em termos de custo para o país talvez seja o benefício das aposentadorias e pensões integrais e cumulativas. Já melhorou um pouco, já que não temos mais políticos se aposentando depois de exercer apenas dois mandatos (menos de 10 anos) enquanto o trabalhador comum continua precisando contribuir por 35 anos. Mas os funcionários públicos continuarão recebendo seus salários da ativa, reajustados com índices superiores ao que se verifica para os que se aposentam pelo INSS.
Não quero demonizar o funcionário público já que a maioria deveria inclusive ser melhor remunerada. Não defendo tão pouco o corte abrupto nas aposentadorias e pensões já concedidas. Mas me parece injusto manter as coisas como estão. Não vejo justificativa para políticos que estiveram no executivo, e vice-versa, acumularem aposentadorias de diferentes fontes, muitas vezes acumulando aposentadorias do município, estado e governo federal, somando a elas remuneração por estarem ainda na ativa.
Acredito que as pessoas podem querer trabalhar enquanto tiverem saúde e não devem ser impedidas disto. Mas se esta é a opção, há que haver um tratamento diferenciado em relação à aposentadoria que recebem do governo (a aposentadoria contratada do setor privado é outra história). Municípios, estados e governo federal deveriam também trocar informações para não ultrapassar um determinado teto (por exemplo, 15 salários mínimos). Todos os que recebem valores acima deste teto poderiam ter seus proventos corrigidos por valores um pouco abaixo da inflação, permitindo um ajuste suave para esta enorme mordomia que me parece ser, pelo menos para aqueles com altos salários, receber depois de aposentado o mesmo salário daqueles que estão na ativa.
Ou seja, se devemos cobrar uma mudança de atitude daqueles que são esbanjadores, é preciso cobrar também daqueles que esbanjam os recursos oriundos dos impostos pagos por parcela significativa da população. O Senador Reguffe mostrou que existe espaço para economizar sem abrir mão da produtividade, exemplo que deveria ser seguido por outros parlamentares e pela turma do executivo e judiciário. Nem precisa ser tudo de uma vez só, mas é preciso que comecem logo !