Business of Software Conference

Já tem alguns anos que eu venho querendo participar da Business of Software Conference, conhecida também como BoS, já que nos EUA, especialmente no setor de tecnologia, tudo se abrevia.

O público alvo são os sócios e gestores de empresas em que o software é o elemento central do negócio, discutindo aspectos relacionados com marketing & vendas, cultura empresarial, gestão de equipes e estratégias de crescimento. A troca de ideias e a ampliação da rede de contatos são constantemente estimulados, especialmente durante o café da manhã e almoço, servidos em mesas para 10 pessoas e que já estão incluídos na inscrição. Tendências tecnológicas são também discutidas, mas não tem nenhuma apresentação sobre a linguagem de programação X ou o banco de dados Y. Entre palestrantes e plateia você não encontra os executivos ou especialistas dos gigantes de tecnologia (Facebook, Google, IBM, Microsoft, Oracle e assemelhados), mas sim CEOs e fundadores de empresas de software, desde startups começando a despontar no mercado até empresas operando globalmente, algumas inclusive com ações em bolsa.

Sempre tive curiosidade de conhecer melhor estas empresas americanas de software, para as quais os grandes players globais do setor estão no “quintal de casa”, de forma a tentar entender porque parece mais fácil para elas ganhar escala em curtos espaços de tempo. Outro chamariz eram os palestrantes de edições anteriores, alguns de muito renome, tais como Alex Osterwalder, Clayton Christensen, Joel Spolsky e Seth Godin. Aproveito para compartilhar uma dica: os organizadores da BoS disponibilizam gratuitamente os vídeos de todas as palestras desde 2008 (veja a lista completa aqui). Já pude assistir algumas delas e posso atestar a qualidade do conteúdo.

Pois bem, agora em setembro de 2016, aproveitando uma viagem de férias, participei da 10ª edição da BoS. Adianto que os vídeos das palestras desta edição serão sim disponibilizados, mas somente ao longo dos próximos meses. Assim, compartilho a seguir o que considerei interessante ou relevante.

Conversei com várias pessoas cujos produtos são ainda oferecidos para instalação em computadores/servidores dos clientes, utilizando licenças de uso tradicionais. Mas todos reconhecem que o movimento de migração para a nuvem (Software as a Service – SaaS) se intensificou muito nos últimos 18 meses e é um caminho sem volta. O dono de uma empresa de software para controle de canteiros de obras comentava que depois que os empreiteiros (clientes dele) começaram a usar o celular para fazer reservas em restaurantes, acabaram se dando conta que poderiam ter acesso a informações sobre seus próprios negócios também no celular. Outro sujeito comentou que entre seus clientes, na maioria pequenos negócios, se os atuais donos ainda têm alguma resistência à tecnologia, os filhos que já começam a assumir o negócio da família estão cada vez mais pressionando por soluções acessíveis através de dispositivos móveis.

Ninguém abre completamente o jogo sobre qual a tecnologia específica usou ou está utilizando para criar a versão SaaS do seu software, mas todos dizem que não é um processo simples e nem rápido, sendo importante contar com profissionais experientes para fazer esta transição.

A palestra de abertura do evento foi com a Gail Goodman, fundadora e ex-CEO da Constant Contact, empresa cuja venda por 1,1 bilhão de dólares ela mesma negociou e concretizou no início deste ano. Foi um relato muito interessante de uma empreendedora que fez seu negócio crescer e prosperar, mas que para o bem do próprio negócio percebeu que era preciso passar o mesmo adiante. Falou bastante das pressões do mercado financeiro, especialmente quando se tem ações em bolsa, buscando sempre crescimento constante de pelo menos 10% por trimestre, e por isto mesmo exigindo a expansão continua de vendas.

As considerações sobre o funil de comercialização estiveram presentes em diferentes palestras, tratando das muitas etapas entre conseguir um primeiro acesso ao site, fazer com que o usuário abra uma conta para experimentar o serviço, converter a venda depois dos testes e a cada período fazer com que o cliente renove o contrato.

Como muitos dos palestrantes participam de toda a conferencia, não é raro que apareçam comentários sobre palestras anteriores. Um exemplo foi a questão sobre como definir o preço do SaaS e por qual prazo, onde a oferta de uma versão gratuita, mesmo que muito simples, está longe de ser uma unanimidade. Achei interessante o comentário de um palestrante dizendo que se o cliente for capaz de contratar o SaaS diretamente no site, sem nenhuma assistência, então valores de licenciamento abaixo de US$ 100,00/mês podem ser viáveis. Mas se a oferta SaaS for um pouco mais complexa, exigindo a participação de um representante de vendas, então é preciso cobrar pelo menos entre US$ 200,00 e US$ 300,00 por mês para viabilizar os custos das vendas.

Na sequência do dia se apresentaram ainda Michael Pryor, CEO do Trello e Darmesh Shah, fundador do HubSpot. Cada um deles trazendo dicas e discutindo ideias e estratégias que funcionaram ou não em suas empresas. Dividiram preocupações com o funil de vendas, a identificação dos seus diferenciais competitivos e como manter o foco neles, a ampliação da oferta de soluções, a gestão da equipe e desafios ao escalar o negócio.

Interessante perceber que todas as empresas na BoS, sem exceção, têm pelo menos parte da sua equipe composta por pessoas que trabalham remotamente. Encontrei inclusive algumas pessoas que vinham para a BoS também para fazer a reunião anual presencial do grupo logo após a conferencia. Esta questão de gerenciar pessoas geograficamente distribuída foi também um tema recorrente, com várias sugestões sobre como estimular o fortalecimento do espírito de equipe e a interação entre seus membros.

Muito interessante a palestra do Jason Fied, CEO do Basecamp, um software de produtividade e trabalho em grupo que a própria empresa utiliza internamente numa metodologia de trabalho muito própria. Me chamou a atenção o fato de que a maior parte da interação da equipe se dá de forma escrita, inclusive armazenando trocas de mensagens por assunto/tópico de modo a já deixar registrados os processos de tomada de decisão e compartilhar o conhecimento acumulado da equipe sobre o produto e sua evolução. Quando questionado, o Jason confirmou que o processo seletivo deles já leva em consideração pessoas que conseguem se expressar bem por escrito, para que possam melhor se integrar ao estilo/cultura da empresa.

Uma das polêmicas que foram levantadas durante esta edição da BoS foi sobre o roadmap de um software, ou seja, o seu plano de evolução, que em geral determina prazos para correções e incorporação de novas funcionalidades. É nítido que a maioria das empresas de software na BoS  adotam alguma variante de metodologia ágil para seu processo de desenvolvimento e que a entrega de novas versões do software é cada vez mais continua. Daí alguns palestrantes afirmarem que não faz mais sentido tornar público um roadmap de 1 ou 2 anos, mas sim investir na comunicação com os clientes e somente compartilhar as novidades previstas para o software no curto prazo. Já os defensores de um roadmap público lembram que ele funciona também como um compromisso de evolução daquele software para o seu mercado consumidor e que isto é muito valorizado por empresas clientes de maior porte. De qualquer modo, todos concordam que o número da versão/release do software é algo cada vez menos relevante, útil apenas internamente.

Os desafios de sempre

Problemas tradicionais do universo de desenvolvimento de software continuam presentes mesmo nas equipes mais jovens ofertando soluções SaaS.

É preciso manter a equipe motivada para que funcionalidades “chatas” solicitadas pelos usuários não fiquem eternamente na lista de pendencias. Ouvi mais de um testemunho em defesa de que desenvolvedores sejam periodicamente colocados em contato direto com os clientes (via suporte) para perceber/entender suas dores. O perigo desta abordagem, no entanto, é o desenvolvedor achar que o problema daqueles poucos clientes por ele atendidos é agora a prioridade máxima a ser perseguida a qualquer custo.

Interessante ouvir os comentários sobre as solicitações de clientes pedindo funcionalidades específicas/exclusivas mesmo em soluções SaaS.  O Michael do Trello lembrou que este foi um dos erros que ele cometeu logo no início, pensando em atender um grande cliente em potencial. Segundo ele, a oportunidade trouxe recursos importantes naquele momento, mas o fez desviar do foco original e quase descaracterizar o software, colocando em risco o posicionamento da empresa dele no mercado e, consequentemente, ganhos/clientes futuros.

Quem está no negócio de software sabe que os clientes vão sempre sugerir inúmeras melhorias, mas que várias destas novas funcionalidades podem ser conflitantes entre si. Além disto, a ideia de uma nova funcionalidade pode ser excelente, mas nem sempre será implementada da melhor maneira na primeira tentativa. Assim, no ciclo de vida do software, será inevitável fazer escolhas e também revisar decisões já tomadas. Além disto, nem sempre será possível agradar a todos e é preciso aceitar o fato de que clientes vão trocar sua empresa pela concorrência (e vice-versa).

No contexto da BoS, o software está sempre no cerne da empresa, se constituindo na solução/produto que é oferecido ao mercado. Mas é preciso cuidar para que aspectos técnicos/tecnológicos não acabem ofuscando outros aspectos igualmente importantes. Um bom produto não será nunca suficiente, especialmente em nichos de mercado mais competitivos.  É essencial montar uma equipe capaz não apenas de criar o produto, mas também de entender o mercado visando sua manutenção/evolução e de se comunicar/relacionar com os atuais e futuros clientes.

Em se tratando de equipes, o mito do profissional ideal, conhecedor do mercado e dos clientes já existentes, dominando as tecnologias que a empresa já utiliza e também mestre das novas tecnologias que a empresa quer adotar, sugerindo constantemente aperfeiçoamentos relevantes nos processos e operações, sendo ainda capaz de apresentar o produto e fechar a venda de 9 entre 10 clientes em potencial visitados, segue sendo um mito. Uma palestra muito interessante sobre isto foi do Steve Johnson, da Under 10 Consulting, falando da importância da gestão de produtos e equipes e de como calibrar as coisas de acordo com a realidade de cada empresa. Em particular, destacou questões na formação e treinamento da equipe de vendas, lembrando que mandar um único vendedor para o cliente pode até ser mais barato, mas que especialmente no caso de soluções mais complexas, o volume de vendas pode aumentar muito se estiverem juntos um excelente vendedor e um excelente técnico (nos EUA é comum chamar este técnico de sales engineer ou pre-sales consultant).

Os Novos desafios

A esta altura você deve estar se perguntando: As tecnologias estão evoluindo e os problemas permanecem os mesmos ? O que está mudando no universo do software ?

Uma primeira mudança, que não é tão nova, é a desmistificação da tecnologia. Pessoas sem formação técnica estão começando negócios de software assim como pessoas que não sabem cozinhar abrem restaurantes. É claro que a empresa vai demandar técnicos (ou cozinheiros), mas eles estão disponíveis no mercado e podem se tornar sócios ou funcionários.

A palestra da Laura Roeder, fundadora e CEO do MeetEdgar, mostrou exatamente isto. Com formação em marketing, ela construiu um negócio em torno de treinamentos e palestras dela própria que rendia em torno de 1 milhão de dólares por ano. Com o tempo, foi ficando difícil tirar férias e a ideia de se tornar mãe começou a parecer ainda mais desafiadora. O negócio dependia exclusivamente dela e por isto mesmo não tinha como escalar. Daí que ela resolveu fechar o antigo negócio e fundar uma nova empresa de software para oferecer uma solução capaz de automatizar os procedimentos que ela ensinava em seus cursos, gerenciando a publicação recorrente de um mesmo conteúdo em redes sociais. Pegou suas economias, contratou uma equipe de desenvolvimento e foi a luta. Não tinha como faturar nada enquanto o software não ficou pronto e, depois disto, num determinado mês, chegou a gastar US$ 40 mil com publicidade nas próprias redes sociais. Isto tudo nos últimos 2 para 3 anos, mas agora já está comemorando receitas recorrentes mensais na casa dos US$ 200 mil. Antes que eu me esqueça, ela também foi mãe neste período.

Vejam que a Laura não tirou onda dizendo que foi tudo fácil. O mercado de software para o segmento de marketing digital cresceu absurdamente nos últimos anos e já conta com alguns pesos pesados oferecendo soluções integradas que concorrem diretamente com ela, razão pela qual perguntaram como ela arranjou coragem para enfrentar este desafio. A resposta dela foi bem simples: quando eu comecei a bolar o meu produto não existia nenhuma solução equivalente disponível no mercado. Mesmo as soluções mais completas hoje existentes não fazem tão bem o que eu consigo entregar. Além disto, para empresas menores e menos sofisticadas, a minha oferta é exatamente o que elas precisam, não fazendo sentido uma solução mais abrangente. No limite, pode até ser que um competidor qualquer queira conquistar a minha base de clientes e faça uma oferta pela minha empresa. Neste dia, se ele vier, vou avaliar o que fazer. A Laura sempre soube que enfrentaria riscos e também sempre acreditou que poderia superá-los!

Mas se a tecnologia já não é uma barreira de entrada para novos empreendedores, ela também não pode ser subestimada. A palestra do Zack Urlocker, atual COO da Duo Security, mostrou bem isto. Na opinião dele, 90% de todas as startups acabam se autodestruindo porque tentam escalar o negócio de forma prematura. O currículo do Zack impressiona, tendo passado pela Zendesk, MySQL e Borland.

No relato sobre os tempos em que esteve no MySQL, o Zack comentou que o foco deles era atender pequenos e médios negócios, gerando receita não apenas com treinamento e suporte, mas também com licenciamento. Não custa lembrar que apesar do MySQL ser um software livre, o uso gratuito dele era e é permitido apenas em projetos não comerciais. Assim, a turma do MySQL buscou conquistar mercado permitindo que o usuário testasse gratuitamente a solução deles em projetos piloto, depois oferecendo um esquema de licenciamento muito mais “amigável”, tanto em termos de preço como de flexibilidade, se comparado ao que ainda é praticado por grandes concorrentes no mercado corporativo de bancos de dados.

A discussão em torno de novos modelos de negócio ou de licenciamento de software foi menor do que eu esperava durante a BoS, mas não foi inexistente. O software livre já é um ramo/nicho do mercado e não desperta grandes discussões. Causa mais preocupação a exata identificação do diferencial de mercado das empresas e como extrair valor deste diferencial (monetização), tudo isto num mercado onde existem cada vez mais soluções de software disponíveis gratuitamente.

É crescente a pressão por soluções mais baratas, com a entrega continua de novas versões e disponíveis em diferentes dispositivos de forma coordenada. Isto impacta diretamente aspectos tecnológicos do negócio, empurrando os ambientes de desenvolvimento e produção para a nuvem, mudando também a forma como as equipes técnicas são organizadas e todo o ciclo de vida do software.

Não vou negar que uma das constantes do universo do software é a evolução permanente e acelerada das tecnologias em seu entorno. É uma característica inclusive que costuma atrair jovens para o mercado de trabalho no setor, formado por pessoas que são em geral curiosas, com bom raciocínio lógico e que gostam de desafios. Assim, um profissional de TI é capaz de se adaptar e aprender novas tecnologias. Por outro lado, estas novas tecnologias não estão chegando sempre como substitutas de tecnologias mais antigas.

Muitas vezes uma tecnologia antiga sofre uma adaptação e se torna até mais acessível e fácil de ser aprendida. Mas também tem sido comum o surgimento de novas camadas tecnológicas que precisam ser incorporadas ao ambiente existente. Tanto assim que já se tornou comum falar em orquestração de tecnologias de software pois elas precisam estar afinadas para produzir os resultados esperados.

Se a tecnologia já não é mais uma barreira de entrada, continua sendo uma barreira para expansão da empresa (por conta da sua crescente complexidade) e manutenção de fatias de mercado (gestão da mudança/atualização constantes).

O Impacto da Internet no software

Todos nós somos testemunhas da revolução que a internet vem provocando em setores específicos, como foi o caso no mercado da música, seguindo pelos livros e revistas, e agora impactando profundamente os mercados de cinema e televisão. Novos dispositivos foram criados e a comunicação digital, que começou somente com texto e depois incorporou voz, imagens e agora vídeo, vem tirando proveito das capacidades e velocidades de conexão cada vez maiores e mais rápidas, disponíveis por toda a parte.

No universo do software a sensação é que a internet vem provocando diversas revoluções ao mesmo tempo. Primeiro porque as mudanças em outros segmentos da economia, acima mencionados, são fruto de novos produtos e soluções de software, em alguns casos associados a novos dispositivos móveis. O software pode não ser o único componente necessário para a mudança de paradigma, mas é um componente indispensável.

Usando o mercado da música como exemplo, criou-se software para empacotar as canções em arquivos digitais. O hardware foi capaz de reproduzir estes arquivos com fidelidade crescente, ocupando cada vez menos memória, mas fazendo sempre uso de algoritmos de software cada vez melhores. Se houve época em que era necessário usar cabos para copiar as músicas em formato digital, isto acabou depois da chegada da internet, das conexões sem fio (bluetooth e wi-fi) e das arquiteturas de rede Peer-to-peer (P2P). Ninguém precisava mais usar um software para copiar aquela faixa preferida de um CD qualquer. Bastava procurar pelo nome da música e era possível baixar da internet o arquivo correspondente, período em que as grandes gravadoras tentaram mandar prender donas de casa escutando música pirata. Mais recentemente surgiu o streaming, que também é uma tecnologia de software, e que dispensou a necessidade de copiar previamente arquivos de música. Nunca foi tão fácil escutar a sua canção preferida na hora e lugar desejados. Os antigos LPs e CDs continuam por aí, mas são dispensáveis se você tiver uma boa conexão com a internet e toda a tecnologia de software que o usuário comum nem percebe que está por trás de toda esta revolução.

Vejam que as redes de computadores em geral, incluindo redes wi-fi e a própria internet, podem ser descritas como a interligação de equipamentos (hardware) através de conexões (cabos metálicos, fibra ótica ou até mesmo sem fio) para viabilizar a troca de dados empacotados via protocolos multicamada gerenciados/criados por software. A internet não existiria sem software e seu futuro depende cada vez mais da sua auto adaptação, quase que imediata, ao volume e condições do tráfego de dados. São as Software Defined Networks – SDN que estão revolucionando a própria internet.

Ou seja, a internet que tem no software um de seus componentes fundamentais, quando aplicada a outros setores da economia cria condições para que novas tecnologias de software sejam desenvolvidas visando especificamente estes setores. Havendo condições apropriadas, surge um ciclo virtuoso de inovação que os transforma profundamente e altera significativamente os processos produtivos relacionados. Aumenta a cada dia o número de empresas tradicionais que passam a se enxergar como empresas de tecnologia, exigindo cada vez mais software em seus processos produtivos. Mesmo as pessoas, em seus momentos de lazer e convívio, também estão tendo suas vidas transformadas.

A demanda por software nunca foi tão alta e a sensação geral é de que quanto mais software é empregado, maior são as necessidades e oportunidades para desenvolver novos softwares! Parte deste impacto tão profundo pode ser explicado por características específicas do software e da internet.

No caso do software, ele é um bem digital que cada vez mais tira proveito da capacidade que a internet tem de distribuir/compartilhar dados de forma rápida e barata. Já a internet é um canal de comunicação que é ao mesmo tempo de massa e de interação um-para-um. Como toda esta interação acontece através da troca de dados digitais, que podem ser registrados e armazenados, surgem também novas ferramentas para comunicação e novas oportunidades para entender a própria comunicação e o comportamento das pessoas. Os desdobramentos disto são enormes e estamos no início de uma nova revolução proporcionada por software que vai novamente impactar diversos setores de nossa economia e sociedade.

Mas não cabe aqui tentar analisar estes impactos de forma tão ampla. Nossa pretensão é entender o impacto do software no próprio negócio de software, que é uma realidade que muitas vezes passa despercebida por quem não é do ramo.

A internet vem mudando a própria arquitetura dos softwares, que passam a ser oferecidos como SaaS através da contratação de plataformas e/ou infraestrutura computacional como serviço (respectivamente PaaS e IaaS). A componentização, defendida pela engenharia de software, é cada vez mais presente e implementada através de máquinas virtuais, contêineres e, mais recentemente, funções lambda. Mas a suposta simplificação do processo de desenvolvimento de software através da modularização vem sendo “anulada” pela complexidade de configuração e troca de informações entre cada um dos componentes de sistemas cada vez maiores e mais sofisticados, conforme já mencionei anteriormente.

De qualquer modo, tecnologias de software que impactam o negócio de software também podem impactar outros setores da economia. É o caso do marketing digital, analisado a seguir.

O marketing Digital e Indicadores derivados

O marketing digital começou com o email-marketing, depois incorporando os mecanismos de busca e agora as redes sociais. O comercio eletrônico só faz crescer, com uma dinâmica própria que permite comparações instantâneas de preços entre concorrentes, análise das opiniões de outros consumidores, etc. Se antes as agências de marketing cuidavam das mídias tradicionais, agora existem agencias especializadas somente em marketing digital, focadas em tirar o máximo proveito deste novo canal que é a internet e interagir com clientes atuais e em potencial, muitas vezes contratando celebridades (algumas conhecidas somente na internet) para produzir um comentário positivo sobre determinado produto, impulsionando suas vendas.

Vejam que o marketing digital apareceu e cresceu absurdamente, sendo constituído por softwares funcionando na internet e que foram desenvolvidos para explorar esta nova fronteira! Na verdade, é um setor ainda em evolução, mudando constantemente e continuando a gerar oportunidades para que novas soluções de software sejam criadas.

Percebam, no entanto, que sendo o software um produto/solução digital, é na própria internet que se encontram as pessoas mais familiarizadas com este meio e com maior potencial para querer comprar novos produtos/soluções de software. Assim, uma empresa de software precisa não apenas desenvolver seu próprio software, mas também se preocupar com o seu marketing e comercialização, principalmente através da internet.

Atualmente uma empresa de software pode até contratar uma agencia digital, mas empresas nascentes ou startups acabam preferindo escolher algumas soluções de softwares (em geral oferecidas como SaaS) para cuidar dos seus processos e gerenciar suas vendas e clientes. O nível de sofisticação é cada vez maior, com ferramentas capazes de colocar online versões diferentes de um mesmo portal para medir a quantidade de vendas convertidas em cada versão e assim decidir qual delas deve ser privilegiada (testes A/B). Ou seja, para qualquer setor da economia, analisando um grande volume de transações num portal de vendas pode-se descobrir muita coisa e fazer ajustes para aumentar as próprias vendas.

No setor de software, em particular, se uma solução de software também é disponibilizada como SaaS em servidores distribuídos por diferentes datacenters (na dita nuvem), a forma pela qual o próprio software é utilizado por cada um dos seus usuários pode igualmente gerar um volume enorme de informações.

É possível saber quais são as funcionalidades mais utilizadas, qual foi a sequência de “comandos” realizados antes de ocorrer um erro, em que momentos foi solicitada ajuda, etc. Em tese, fica fácil perceber quais os caminhos críticos de um software, horários de pico no seu uso e até planejar/priorizar futuras melhorias, desde que estas informações sejam de fato capturadas e analisadas. Isto exigirá novos componentes e repositórios (que podem ser SaaS produzidos por terceiros), pessoal qualificado e mais complexidade para o negócio do software como um todo.

Voltando as palestras da BoS, ficou evidente o grau de importância que as empresas de software estão dando ao seu marketing e à análise de indicadores de desempenho.

É preciso se destacar no mercado e a produção de conteúdo relevante é a forma mais indicada para conseguir isto. Entretanto, a internet nunca esteve tão poluída, com conteúdo medíocre sendo repetido exaustivamente por email, redes sociais, webinars e etc. Continuam existindo estratégias para conseguir “aparecer” nos mecanismos de busca e nas redes sociais, mas os respectivos algoritmos mudam constantemente e fica cada vez mais difícil ser descoberto sem ter que pagar por isto. Estratégias “duvidosas” que já funcionaram no passado para colocar um site em destaque podem, atualmente, resultar em quarentenas ou bloquei definitivo em determinadas plataformas. Segundo alguns palestrantes, mais vale investir quinzenalmente num único post de extrema qualidade a ser veiculado algumas vezes (em diferentes dias/horas e plataformas), do que postar diariamente temas que podem ser considerados irrelevantes. É preciso acompanhar os resultados e ajustar estratégias periodicamente.

Interessante que esta análise de indicadores de marketing parece ter inspirando a criação de novos indicadores específicos, alguns dos quais viabilizados somente no contexto de SaaS. Destaco a palestra nesta BoS do Ash Maurya, criador do Lean Canvas e autor de alguns livros sobre o assunto. O mantra dele é “Ame o problema e não sua solução”, para prevenir situações em que o empreendedor fica tão envolvido com a solução que ele encontrou para um determinado problema que acaba querendo forçar que sua solução funcione mesmo que não resolva o problema direito. Mas o que eu achei mais interessante é o conjunto de ferramentas que ele vem chamando do LeanStack para tentar medir, de forma efetiva, a progressão de um negócio de software desde a sua concepção a partir de um canvas.

Também gostei da palestra do Patrick Campbell, da ProfitWell, primeiro porque ele é o fundador da empresa e contou como fez para vir pela primeira vez para a BoS, na época em que estava tentando viabilizar o seu negócio, a coisa de 3 anos. Depois porque ele explicou o negócio dele, que consiste em oferecer gratuitamente uma ferramenta SaaS para análise dos indicadores de vendas de outros serviços por assinatura via SaaS. Ou seja, a ferramenta ajuda as empresas a determinar o preço correto das assinaturas por elas oferecidas, sugere percentuais de desconto para campanhas específicas e ajuda a entender o perfil exato dos seus clientes. Segundo o Patrick, o objetivo dele é criar algoritmos mais precisos para fazer análises comportamentais e de preço, posteriormente comercializando o uso destes algoritmos para grandes clientes. Se vai funcionar eu não sei, mas certamente foi um novo modelo de negócios que fiquei conhecendo.

Finalmente, destaco a palestra da Jana Eggers, CEO da Naralogics, justamente sobre Inteligência Artificial. Segundo os organizadores da BoS, esta será a próxima grande revolução a afetar os negócios de software. Com o aumento do volume de dados disponíveis sobre o uso do software será cada vez mais importante incorporar algoritmos inteligentes para torna-los mais fáceis de serem utilizados e, consequentemente, mais produtivos. Segundo a Jana, muita pesquisa precisa ainda ser feita e há espaço para inúmeros aperfeiçoamentos da tecnologia. Por outro lado, ainda que de forma limitada, já é possível agregar valor a um software com técnicas e ferramentas disponíveis no mercado. Assim, a recomendação dela foi começar a investir algum tempo e dinheiro para entender melhor o potencial e limitações dos atuais métodos estatísticos e algoritmos, bem como suas áreas de aplicação.

Entendendo que o uso de computadores e outros dispositivos através da fala é considerado um ramo da inteligência artificial (o computador precisa entender o que foi dito), não tenho dúvida de que este futuro está mesmo chegando. Mas achei curioso a falta de pelo menos uma palestra sobre a Internet das coisas – IoT, muito embora a Jana tenha também tratado de robótica na sua apresentação.

Resolvi puxar este assunto durante o intervalo do último dia da BoS e acabei me dando conta de algo que não estava antes óbvio para mim. Quem vai para a BoS faz negócio com software, que é diferente de quem faz negócios com hardware (mesmo que tenha software embarcado). É claro que vão haver muitas oportunidades para profissionais de software/TI em empresas atuando com a IoT, e que algumas empresas de software poderão se especializar em produzir software para tipos específicos de hardware/coisas. Mas no contexto da cultura americana, quem tem interesse em IoT deve ir a uma conferência de IoT. Numa conferência sobre negócios de software este tema pode até aparecer, mas só será relevante quando impactar significativamente os negócios de software (não sendo a recíproca verdadeira).

Conclusões

Gostei muito de ter participado da 10ª edição da BoS, onde aprendi muitas coisas e conheci novas pessoas. Recomendo fortemente a conferencia para qualquer empreendedor ou gestor de empresas de software, desde que sejam fluentes em Inglês para tirar o máximo proveito da oportunidade.

O negócio de software “puro” continua muito aquecido, em evolução constante, o que acaba afetando aspectos fundamentais da sua produção, comercialização e manutenção. Os modelos de negócios continuam sendo alterados em função das pressões de mercado e dos avanços tecnológicos, mantendo alguma semelhança com outros bens digitais, mas conservando características próprias que são únicas para negócios em torno do software.

Sobre tentar entender porque parece mais fácil para empresas americanas de software ganhar escala em curtos espaços de tempo, apenas confirmei algumas impressões. Num mercado enorme e menos regulado como o americano, já saindo da recessão, há sempre espaço para todos. Gigantes do software vão atender outros gigantes corporativos, mas haverá sempre muita oportunidade em empresas de médio e pequeno porte. O maior diferencial, contudo, se traduz num ambiente muito mais propício para a inovação e os negócios. É mais fácil começar e eventuais fracassos não se tornam marcas negativas e sim experiência acumulada.

Novos avanços tecnológicos estão surgindo no horizonte, e tenho certeza que inúmeras oportunidades vão aparecer para quem faz negócios com software, trazendo na esteira novas empresas e mercados. Mas o negócio de software está cada vez mais em grandes datacenters interconectados (ciberespaço/nuvem).

É quase que um universo paralelo, pois as fronteiras geográficas são menos relevantes e a governança deste espaço não está mais restrita somente aos governos de diferentes países que compartilham esta infraestrutura. É um espaço que exige nova legislação (talvez com alcance global) e demanda investimentos para garantir que a velocidade e abrangência do acesso aos conteúdos disponibilizados seja viável e homogênea para todos os seus usuários independentemente da sua localização, garantindo ainda a segurança e a liberdade de expressão.

Se a internet jamais existiria sem software, é também verdade que o software depende cada vez mais da internet. O software, a economia e a sociedade do futuro.

Se por um lado é que cada vez mais fácil aprender a programar um computador para executar um software, seja ele um joguinho simples, um site ou até mesmo uma App para celular. Por outro lado, está ficando cada vez mais complexo desenvolver software que se constitua em solução robusta e confiável a ser oferecida profissionalmente no mercado. Complexo a ponto de ser necessário pensar novas estratégias para reciclar os profissionais que já estão empregados e também para atrair e formar novos profissionais de TI. Não existe país desenvolvido neste momento que não esteja preocupado com esta questão, até porque é consenso entre eles que a falta de profissionais qualificados pode colocar em risco seu bem-estar social e econômico num futuro muito próximo.

Software continua sendo um negócio arriscado, com um ciclo relativamente longo para começar a gerar receita e retornar o capital investido. Por outro lado, conquistando uma massa crítica de clientes, é possível multiplicar o retorno repetidas vezes em períodos relativamente curtos de tempo.

Por conta disto tudo, o setor de software está cada vez mais concentrado, competitivo e cheio de oportunidades e novos empreendedores!